Biblioteca íntima
Reserve um pedacinho da casa para os livros da sua vida
texto Leandro Quintanilha fotos André Spinola e Castro
Uma estante repleta de livros costuma ser uma espécie de biografia velada do dono daqueles volumes todos. Porque quem reúne livros coloca nas prateleiras também as fases da própria vida. Os livros da escola, da faculdade, do trabalho. Aqueles que foram presentes de amigos. Outros que você ganhou de um grande amor – ou até comprou para impressionar alguém. Livros sobre quem você foi, quem você é e quem gostaria de ser (sim, há também aqueles que você jura que ainda vai ler, lembra?). Uma biblioteca pode dizer mais sobre o dono que um livro sobre seu autor.
“Você organiza pelo assunto, mas, com o tempo, todo volume vira livro de História”, diz brincando o consultor de tendências político-econômicas José Eduardo Faro Freire. A longo dos seus 68 anos, Freire acumulou cerca de 8 mil títulos. Dois dos quartos do apartamento em que mora com a mulher foram unidos para comportar esse acervo, com o qual ele passa boa parte do dia. Ainda assim, as estantes, que cobrem todas as paredes do recinto, tiveram que ser ocupadas em fileiras duplas. Quando você tira um livro – olha lá! –, aparece a lombada de outro no fundo.
Troféus pessoais
Um colecionador de livros exibe seu acervo com uma mistura de orgulho e pudor. Livros são troféus, porque cada título desejado, encontrado, lido e guardado é uma conquista. Mas os itens de uma biblioteca pessoal são como o conteúdo da carteira, da bolsa, da geladeira – falam sobre você. Sobre a intimidade do seu pensamento, do seu imaginário.
“É sempre um recinto cheio de afetividade e significado”, diz Fernando Modesto, professor do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Universidade de São Paulo. Modesto explica que, além de livros e revistas, uma biblioteca pode abarcar também CDs, DVDs, documentos, álbuns. Tudo que guarde uma lembrança. Mas que também (e esse é o lado “ruim”) ocupa um espaço danado na casa.
Na Antiguidade, o político romano Marco Túlio Cícero escreveu que uma casa sem livros é como um corpo sem alma. Faça o que puder no espaço de que você dispõe – o importante é manter os livros por perto, como parte do cotidiano. Uma biblioteca doméstica pode ser dispersa, dividida em estações estratégicas pela casa toda. A da bibliotecária e designer (de bibliotecas!) Cláudia Tarpani é assim. Os livros de trabalho estão no escritório. Na sala, ficam os de literatura. Os demais, sobre culinária, jardinagem e decoração, estão numa estante no fundo do corredor.
Mas, se você tiver aí na sua casa um recinto disponível, melhor. Mais espaço para os livros que você já tem – e os que virão. A arquiteta Helena Ayoub, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, explica que um quarto comum pode ser transformado em biblioteca, se tiver boa ventilação. Você só deve evitar colocar prateleiras onde há incidência direta de luz solar. Mas até isso você pode resolver, com cortinas ou persianas. “Evite também colocar os livros nas paredes do quarto que dão para áreas molhadas da casa – banheiros, cozinha e área de serviço”, diz. Umidade
Ordem no recinto
O mais importante, para bibliotecas de todos os tamanhos, é a organização. Há um lema na biblioteconomia que diz que, se você não consegue encontrar uma coisa, é como se ela não existisse. Quem tem um acervo grande pode cogitar contratar uma consultoria especializada – isso deve custar de 4 a 6 reais por livro. Modesto, o professor de biblioteconomia, ganhou de presente da mulher um programa de computador que o ajudou a catalogar o acervo. O software que ele usa foi feito por um amigo, mas há hoje vários programas gratuitos do tipo disponíveis na rede. Você também pode optar por uma forma mais simples de fazer seu catálogo, usando apenas um editor de texto comum.
Para muita gente, organizar a própria biblioteca pode ser um trabalho delicioso e, portanto, intransferível. Mesmo porque os critérios de organização de um acervo doméstico só precisam fazer sentido para o dono. Por exemplo: ouvi dizer que o redator-chefe de VIDA SIMPLES (hum, será que ele publica isso?) organiza sua biblioteca com associações inusitadas. Escritores que foram inimigos declarados, como os poetas espanhóis Góngora e Quevedo, ficam bem longe um do outro nas estantes. Os que foram amigos – ou os que viveram romances tórridos, como os poetas franceses Rimbaud e Verlaine – ficam próximos nas prateleiras.
Sem confusão
Os professores e escritores Veronica Stigger e Eduardo Sterzi são casados em regime de separação de bibliotecas. No início deste ano, eles se mudaram para um apartamento maior, em que cada um pode organizar seu acervo em recintos distintos. Agora, são menores as chances de confusão. “Já comprei livro repetido e também deixei de comprar títulos por achar que já os tinha”, conta Veronica. Ela tem 3 mil livros – a maioria sobre arte e antropologia.
Sterzi, que ensina literatura, tem 6 mil. A coleção dele começou ainda na casa dos pais. A falta de espaço no quarto de solteiro fazia com que o professor precisasse empilhar parte do acervo no chão. Hoje ele sabe que livro não se guarda na posição horizontal. “O peso das páginas umas sobre as outras pode, com o tempo, alterar a composição química da tinta e do papel”, ensina Fernando Modesto, o professor de biblioteconomia.
O ensaísta alemão Walter Benjamin escreveu um texto sobre a delicada relação do colecionador com seus livros, intitulado “Desempacotando minha Biblioteca”. Para ele, o destino mais importante de todo exemplar é o encontro com o colecionador – e com a coleção. “Para o colecionador autêntico, a aquisição de um livro velho representa seu renascimento.”
Na tradução para o português, não fica muito claro se ele se refere aí ao renascimento do livro ou do colecionador. Não faz mal. Quem coleciona livros sabe que as duas interpretações fazem sentido.
"Morar"Edições Anteriores Edição Out 2008
Uma estante repleta de livros costuma ser uma espécie de biografia velada do dono daqueles volumes todos. Porque quem reúne livros coloca nas prateleiras também as fases da própria vida. Os livros da escola, da faculdade, do trabalho. Aqueles que foram presentes de amigos. Outros que você ganhou de um grande amor – ou até comprou para impressionar alguém. Livros sobre quem você foi, quem você é e quem gostaria de ser (sim, há também aqueles que você jura que ainda vai ler, lembra?). Uma biblioteca pode dizer mais sobre o dono que um livro sobre seu autor.
“Você organiza pelo assunto, mas, com o tempo, todo volume vira livro de História”, diz brincando o consultor de tendências político-econômicas José Eduardo Faro Freire. A longo dos seus 68 anos, Freire acumulou cerca de 8 mil títulos. Dois dos quartos do apartamento em que mora com a mulher foram unidos para comportar esse acervo, com o qual ele passa boa parte do dia. Ainda assim, as estantes, que cobrem todas as paredes do recinto, tiveram que ser ocupadas em fileiras duplas. Quando você tira um livro – olha lá! –, aparece a lombada de outro no fundo.
Troféus pessoais
Um colecionador de livros exibe seu acervo com uma mistura de orgulho e pudor. Livros são troféus, porque cada título desejado, encontrado, lido e guardado é uma conquista. Mas os itens de uma biblioteca pessoal são como o conteúdo da carteira, da bolsa, da geladeira – falam sobre você. Sobre a intimidade do seu pensamento, do seu imaginário.
“É sempre um recinto cheio de afetividade e significado”, diz Fernando Modesto, professor do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Universidade de São Paulo. Modesto explica que, além de livros e revistas, uma biblioteca pode abarcar também CDs, DVDs, documentos, álbuns. Tudo que guarde uma lembrança. Mas que também (e esse é o lado “ruim”) ocupa um espaço danado na casa.
Na Antiguidade, o político romano Marco Túlio Cícero escreveu que uma casa sem livros é como um corpo sem alma. Faça o que puder no espaço de que você dispõe – o importante é manter os livros por perto, como parte do cotidiano. Uma biblioteca doméstica pode ser dispersa, dividida em estações estratégicas pela casa toda. A da bibliotecária e designer (de bibliotecas!) Cláudia Tarpani é assim. Os livros de trabalho estão no escritório. Na sala, ficam os de literatura. Os demais, sobre culinária, jardinagem e decoração, estão numa estante no fundo do corredor.
Mas, se você tiver aí na sua casa um recinto disponível, melhor. Mais espaço para os livros que você já tem – e os que virão. A arquiteta Helena Ayoub, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, explica que um quarto comum pode ser transformado em biblioteca, se tiver boa ventilação. Você só deve evitar colocar prateleiras onde há incidência direta de luz solar. Mas até isso você pode resolver, com cortinas ou persianas. “Evite também colocar os livros nas paredes do quarto que dão para áreas molhadas da casa – banheiros, cozinha e área de serviço”, diz. Umidade
Ordem no recinto
O mais importante, para bibliotecas de todos os tamanhos, é a organização. Há um lema na biblioteconomia que diz que, se você não consegue encontrar uma coisa, é como se ela não existisse. Quem tem um acervo grande pode cogitar contratar uma consultoria especializada – isso deve custar de 4 a 6 reais por livro. Modesto, o professor de biblioteconomia, ganhou de presente da mulher um programa de computador que o ajudou a catalogar o acervo. O software que ele usa foi feito por um amigo, mas há hoje vários programas gratuitos do tipo disponíveis na rede. Você também pode optar por uma forma mais simples de fazer seu catálogo, usando apenas um editor de texto comum.
Para muita gente, organizar a própria biblioteca pode ser um trabalho delicioso e, portanto, intransferível. Mesmo porque os critérios de organização de um acervo doméstico só precisam fazer sentido para o dono. Por exemplo: ouvi dizer que o redator-chefe de VIDA SIMPLES (hum, será que ele publica isso?) organiza sua biblioteca com associações inusitadas. Escritores que foram inimigos declarados, como os poetas espanhóis Góngora e Quevedo, ficam bem longe um do outro nas estantes. Os que foram amigos – ou os que viveram romances tórridos, como os poetas franceses Rimbaud e Verlaine – ficam próximos nas prateleiras.
Sem confusão
Os professores e escritores Veronica Stigger e Eduardo Sterzi são casados em regime de separação de bibliotecas. No início deste ano, eles se mudaram para um apartamento maior, em que cada um pode organizar seu acervo em recintos distintos. Agora, são menores as chances de confusão. “Já comprei livro repetido e também deixei de comprar títulos por achar que já os tinha”, conta Veronica. Ela tem 3 mil livros – a maioria sobre arte e antropologia.
Sterzi, que ensina literatura, tem 6 mil. A coleção dele começou ainda na casa dos pais. A falta de espaço no quarto de solteiro fazia com que o professor precisasse empilhar parte do acervo no chão. Hoje ele sabe que livro não se guarda na posição horizontal. “O peso das páginas umas sobre as outras pode, com o tempo, alterar a composição química da tinta e do papel”, ensina Fernando Modesto, o professor de biblioteconomia.
O ensaísta alemão Walter Benjamin escreveu um texto sobre a delicada relação do colecionador com seus livros, intitulado “Desempacotando minha Biblioteca”. Para ele, o destino mais importante de todo exemplar é o encontro com o colecionador – e com a coleção. “Para o colecionador autêntico, a aquisição de um livro velho representa seu renascimento.”
Na tradução para o português, não fica muito claro se ele se refere aí ao renascimento do livro ou do colecionador. Não faz mal. Quem coleciona livros sabe que as duas interpretações fazem sentido.
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/071/morar/conteudo_305228.shtml?pagina=0
E aí eu tenho uma sugestão...troca-troca de livros para que as bibliotecas fiquem dinâmicas. Vamos ampliar com dvds também. Então, está aberta a temporada de trocas de livros e DVDs de filmes aqui no blog dos Rebellos. Inclua a lista do que quer trocar e vamos lá!
Ah, eu, bibliotecária da família estou aberta a consultorias para organizar bibliotecas particulares, até com softwares simples para consulta e controle de empréstimo. Esse é um projeto da D&C. Quem souber de alguém que precise organizar a biblioteca íntima, nos indique, ok?
Beijos,
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